quinta-feira, 21 de maio de 2015

Crônica




Cobrança”
Moacyr Scliar

Ela abriu a janela e ali estava ele, diante da casa, caminhando de um lado para outro. Carregava um cartaz, cujos dizeres atraíam a atenção dos passantes: "Aqui mora uma devedora inadimplente".
― Você não pode fazer isso comigo ― protestou ela.
― Claro que posso ― replicou ele. ― Você comprou, não pagou. Você é uma devedora inadimplente. E eu sou cobrador. Por diversas vezes tentei lhe cobrar, você não pagou.

― Não paguei porque não tenho dinheiro. Esta crise...
― Já sei ― ironizou ele. ― Você vai me dizer que por causa daquele ataque lá em Nova York seus negócios ficaram prejudicados. Problema seu, ouviu? Problema seu. Meu problema é lhe cobrar. E é o que estou fazendo.
― Mas você podia fazer isso de uma forma mais discreta...
― Negativo. Já usei todas as formas discretas que podia. Falei com você, expliquei, avisei. Nada. Você fazia de conta que nada tinha a ver com o assunto. Minha paciência foi se esgotando, até que não me restou outro recurso: vou ficar aqui, carregando este cartaz, até você saldar sua dívida.
Neste momento começou a chuviscar.
― Você vai se molhar ― advertiu ela. ― Vai acabar ficando doente. Ele riu, amargo:
― E daí? Se você está preocupada com minha saúde, pague o que deve.
― Posso lhe dar um guarda-chuva...
― Não quero. Tenho de carregar o cartaz, não um guarda-chuva. Ela agora estava irritada:
― Acabe com isso, Aristides, e venha para dentro. Afinal, você é meu marido, você mora aqui.
― Sou seu marido ― retrucou ele ― e você é minha mulher, mas eu sou cobrador profissional e você é devedora. Eu avisei: não compre essa geladeira, eu não ganho o suficiente para pagar as prestações. Mas não, você não me ouviu. E agora o pessoal lá da empresa de cobrança quer o dinheiro. O que quer você que eu faça? Que perca meu emprego? De jeito nenhum. Vou ficar aqui até você cumprir sua obrigação.

Chovia mais forte, agora. Borrada, a inscrição tornara-se ilegível. A ele, isso pouco importava: continuava andando de um lado para outro, diante da casa, carregando o seu cartaz.

O imaginário cotidiano. São Paulo: Global, 2001

QUESTÕES SOBRE O TEXTO

1- Por que o título do texto é "Cobrança"?
( A ) Porque a mulher comprou uma geladeira.
( B ) Porque a profissão do marido era cobrador.
( C ) Porque o homem precisa de um guarda-chuva.
( D ) Porque o texto relata uma cobrança que um certo homem vai fazer a uma mulher.

2 - O significado da frase: "Aqui mora uma devedora inadimplente" e´
(A ) pessoa que compra geladeira.
( B ) pessoa que é casada com cobrador.
( C ) pessoa que perdeu o emprego.
( D ) pessoa que não paga suas dívidas.


3 - A crônica surge a partir da observação de um fato do cotidiano. Qual fato motivou o autor para escrever essa história 
( A )foi a venda da geladeira para o empregado.
( B ) foi a  mulher que pagou sua divida para o cobrador.
( C ) foi uma mulher devedora ,que não tinha dinheiro para pagar suas dívidas ,mais mesmo assim ela comprava as coisas.
( D ) foi uma mulher que pagava suas dívidas pontualmente.

4 - O texto que você leu é
( A ) uma carta.
( B ) uma fábula.
( C ) um poema.
( D ) uma crônica.




quinta-feira, 14 de maio de 2015

A lenda do preguiçoso
Giba Pedroza.
Diz que era uma vez um homem que era o mais preguiçoso que já se viu debaixo do céu e acima da terra. Ao nascer nem chorou, e se pudesse falar teria dito: 

"Choro não. Depois eu choro". 

Também a culpa não era do pobre. Foi o pai que fez pouco caso quando a parteira ralhou com ele: "Não cruze as pernas, moço. Não presta! Atrasa o menino pra nascer e ele pode crescer na preguiça, manhoso". 

E a sina se cumpriu. Cresceu o menino na maior preguiça e fastio. Nada de roça, nada de lida, tanto que um dia o moço se viu sozinho no pequeno sítio da família onde já não se plantava nada. O mato foi crescendo em volta da casa e ele já não tinha o que comer. Vai então que ele chama o vizinho, que era também seu compadre, e pede pra ser enterrado ainda vivo. O outro, no começo, não queria atender ao estranho pedido, mas quando se lembrou de que negar favor e desejo de compadre dá sete anos de azar... 

E lá se foi o cortejo. Ia carregado por alguns poucos, nos braços de Josefina, sua rede de estimação. Quando passou diante da casa do fazendeiro mais rico da cidade, este tirou o chapéu, em sinal de respeito, e perguntou: 

"Quem é que vai aí? Que Deus o tenha!" 

"Deus não tem ainda, não, moço. Tá vivo." 

E quando o fazendeiro soube que era porque não tinha mais o que comer, ofereceu dez sacas de arroz. O preguiçoso levantou a aba do chapéu e ainda da rede cochichou no ouvido do homem: 

"Moço, esse seu arroz tá escolhidinho, limpinho e fritinho?" 

"Tá não." 

"Então toque o enterro, pessoal." 

E é por isso que se diz que é preciso prestar atenção nas crendices e superstições da ciência popular.




Comparação de dois textos