quinta-feira, 28 de maio de 2015
quinta-feira, 21 de maio de 2015
Crônica
“Cobrança”
Moacyr Scliar
Ela abriu a janela e ali estava ele, diante da casa, caminhando de um lado para outro. Carregava um cartaz, cujos dizeres atraíam a atenção dos passantes: "Aqui mora uma devedora inadimplente".
― Você não pode fazer isso comigo ― protestou ela.
― Claro que posso ― replicou ele. ― Você comprou, não pagou. Você é uma devedora inadimplente. E eu sou cobrador. Por diversas vezes tentei lhe cobrar, você não pagou.
― Não paguei porque não tenho dinheiro. Esta crise...
― Já sei ― ironizou ele. ― Você vai me dizer que por causa daquele ataque lá em Nova York seus negócios ficaram prejudicados. Problema seu, ouviu? Problema seu. Meu problema é lhe cobrar. E é o que estou fazendo.
― Mas você podia fazer isso de uma forma mais discreta...
― Negativo. Já usei todas as formas discretas que podia. Falei com você, expliquei, avisei. Nada. Você fazia de conta que nada tinha a ver com o assunto. Minha paciência foi se esgotando, até que não me restou outro recurso: vou ficar aqui, carregando este cartaz, até você saldar sua dívida.
Neste momento começou a chuviscar.― Você vai se molhar ― advertiu ela. ― Vai acabar ficando doente. Ele riu, amargo:
― E daí? Se você está preocupada com minha saúde, pague o que deve.
― Posso lhe dar um guarda-chuva...
― Não quero. Tenho de carregar o cartaz, não um guarda-chuva. Ela agora estava irritada:
― Acabe com isso, Aristides, e venha para dentro. Afinal, você é meu marido, você mora aqui.
― Sou seu marido ― retrucou ele ― e você é minha mulher, mas eu sou cobrador profissional e você é devedora. Eu avisei: não compre essa geladeira, eu não ganho o suficiente para pagar as prestações. Mas não, você não me ouviu. E agora o pessoal lá da empresa de cobrança quer o dinheiro. O que quer você que eu faça? Que perca meu emprego? De jeito nenhum. Vou ficar aqui até você cumprir sua obrigação.
Chovia mais forte, agora. Borrada, a inscrição tornara-se ilegível. A ele, isso pouco importava: continuava andando de um lado para outro, diante da casa, carregando o seu cartaz.
O imaginário cotidiano. São Paulo: Global, 2001
QUESTÕES SOBRE O TEXTO
1- Por que o título do texto é "Cobrança"?
( A ) Porque a mulher comprou uma geladeira.
( B ) Porque a profissão do marido era cobrador.
( C ) Porque o homem precisa de um guarda-chuva.
( D ) Porque o texto relata uma cobrança que um certo homem vai fazer a uma mulher.
2 - O significado da frase: "Aqui mora uma devedora inadimplente" e´
(A ) pessoa que compra geladeira.
( B ) pessoa que é casada com cobrador.
( C ) pessoa que perdeu o emprego.
( D ) pessoa que não paga suas dívidas.
3 - A crônica surge a partir da observação de um fato do cotidiano. Qual fato motivou o autor para escrever essa história
( A )foi a venda da geladeira para o empregado.
( B ) foi a mulher que pagou sua divida para o cobrador.
( C ) foi uma mulher devedora ,que não tinha dinheiro para pagar suas dívidas ,mais mesmo assim ela comprava as coisas.
( D ) foi uma mulher que pagava suas dívidas pontualmente.
4 - O texto que você leu é
( A ) uma carta.
( B ) uma fábula.
( C ) um poema.
( D ) uma crônica.
quinta-feira, 14 de maio de 2015
A
lenda do preguiçoso
Giba
Pedroza.
Diz que era uma vez um
homem que era o mais preguiçoso que já se viu debaixo do céu e acima da terra.
Ao nascer nem chorou, e se pudesse falar teria dito:
"Choro não. Depois eu choro".
Também a culpa não era do pobre. Foi o pai que
fez pouco caso quando a parteira ralhou com ele: "Não cruze as pernas,
moço. Não presta! Atrasa o menino pra nascer e ele pode crescer na preguiça,
manhoso".
E a sina se cumpriu. Cresceu o menino na maior
preguiça e fastio. Nada de roça, nada de lida, tanto que um dia o moço se viu
sozinho no pequeno sítio da família onde já não se plantava nada. O mato foi
crescendo em volta da casa e ele já não tinha o que comer. Vai então que ele
chama o vizinho, que era também seu compadre, e pede pra ser enterrado ainda
vivo. O outro, no começo, não queria atender ao estranho pedido, mas quando se
lembrou de que negar favor e desejo de compadre dá sete anos de azar...
E lá se foi o cortejo. Ia carregado por alguns
poucos, nos braços de Josefina, sua rede de estimação. Quando passou diante da
casa do fazendeiro mais rico da cidade, este tirou o chapéu, em sinal de
respeito, e perguntou:
"Quem é que vai aí? Que Deus o tenha!"
"Deus não tem ainda, não, moço. Tá
vivo."
E quando o fazendeiro soube que era porque não
tinha mais o que comer, ofereceu dez sacas de arroz. O preguiçoso levantou a
aba do chapéu e ainda da rede cochichou no ouvido do homem:
"Moço, esse seu arroz tá escolhidinho,
limpinho e fritinho?"
"Tá não."
"Então toque o enterro, pessoal."
E é por isso que se diz que é preciso prestar
atenção nas crendices e superstições da ciência popular.
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