terça-feira, 14 de maio de 2013

A regreção da redassão

A Regreção da redassão

“Semana passada recebi um telefonema de uma senhora que me deixou surpreso. Pedia encarecidamente que ensinasse seu filho a escrever:
_ Mas, minha senhora –desculpe-me -, eu não sou professor.
_ Eu sei. Por isso mesmo. Os professores não têm conseguido muito.
_ A culpa não é deles. A falha é do ensino.
_ Pode ser, mas gostaria que o senhor ensinasse o menino. O senhor escreve muito bem.
_ Obrigado – agradeci -, mas não acredite muito nisso. Não coloco vírgulas e nunca sei onde botar os acentos.
A senhora precisa ver o trabalho que dou ao revisor.
[...]
Comentei o fato com um professor, meu amigo, que me respondeu:” Você não deve se assustar, o estudante
brasileiro não escrever. Passei a observar e notei que já não se escreve em portas de banheiros, em muros, em
paredes. [...]
_ Quer dizer –disse a um amigo enquanto íamos pela rua –que o estudante brasileiro não sabe escrever? Isto é ótimo para mim. Pelo menos diminui a concorrência e me garante o emprego por mais dez anos.
_ Engano seu – disse ele. – A continuar assim, dentro de cinco anos você terá que mudar de profissão.
_ Por quê? Espantei-me. – Quanto menos gente sabendo escrever, mais chances eu tenho de sobreviver.
_ E você sabe por que essa geração não sabe escrever?
_ Sei lá – dei com os ombros -, vai ser que é porque não pega direito no lápis.
_ Não, senhor. Não sabe escrever porque está perdendo o hábito da leitura. E quando o perder completamente, você vai escrever para quem?
_ Taí um dado novo que eu não havia considerado. Imediatamente pensei quais as utilidades que teria um jornal no futuro: embrulhar carne? Então vou trabalhar num açougue.[...] Imaginei-me com uns textos na mão, correndo pelas ruas para oferecer às pessoas, assim quem oferece hoje bilhete de loteria:
_ Por favor amigo, leia – disse, puxando um cidadão pelo paletó.
_ Não, obrigado. Não estou interessado. Nos últimos cinco anos a única coisa que leio é a bula de remédio. [...]
_ E o senhor, vai? Leva três e paga um.
_ Deixa eu ver o tamanho – pediu ele.
Assustou-se com o tamanho do texto.
_ O quê? Tudo isso? O senhor está pensando que sou vagabundo? Que tenho tempo pra ler tudo isso? Não dá para resumir tudo em cinco linhas? [...]
Não há dúvidas: o estudante brasileiro não sabe escrever. Não sabe escrever porque não lê. E não lendo, também desaprende a falar [...]
[...] Os estudantes não escrevem, não leem, não falam, não pensam. Tudo isso me faz pensar que estamos muito mais perto do que se imaginava da Idade da Pedra. A prosseguir nessa gravação, ou a regredir nessa progressão, não demora muito, estaremos todos de tacape na mão reinventando os hieróglifos. Neste dia, então, a palavra escrever ganhará uma nova grafia: ex-crever.”
(NOVAES, Carlos Eduardo. Os mistérios do aquém. 2a edição. Rio de Janeiro: Nórdica

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